Funasp | USP discute onde obter verbas para manter e ampliar pesquisas


USP discute onde obter verbas para manter e ampliar pesquisas

Financiamento

USP discute onde obter verbas para manter e ampliar pesquisas
Instituição vive conflito entre defensores do custeio público e da captação de recursos privados

“PRIVILEGIADA” ENTRE AS PÚBLICAS, A USP GASTA 87% DO ORÇAMENTO COM PESSOAL E DEPENDE DE
VERBAS EXTERNAS PARA MANTER PESQUISAS

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A Universidade de São Paulo, mais importante instituição pública de ensino do Brasil, chega aos 70 anos no momento em que crescem os questionamentos ao financiamento estatal do ensino superior e cai por terra um dos principais atrativos de sua carreira docente, a garantia de aposentadoria integral.

Dentro da USP, há um conflito crescente em torno de formas de financiamentode suas atividades, que opõem os defensores do custeio exclusivamente público e os que propõem a captação de recursos privados por meio de cursos pagos e parcerias com empresas.

Fora dela, no Ministério da Fazenda, há o diagnóstico de que o ensino público superior no Brasil beneficia a parcela mais rica da população e parte dos recursos deveria ser transferida ao ensino fundamental e médio. No Ministério da Educação, discute-se a cobrança de contribuição compulsória de ex-alunos de universidades federais e incentivos fiscais para estimular doações privadas.
Mas, dentro da crise do ensino público brasileiro, a USP está em posição privilegiada. Desde 89, ela e as outras duas universidades paulistas (Unicamp e Unesp) recebem um percentual fixo dos 75% da arrecadação do ICMS que ficam com o Estado. Em 95, o índice subiu de 9% para 9,57%, metade dos quais ficam com a USP.

A fixação de um percentual da arrecadação viabilizou a autonomia da universidade, que passou a ter liberdade para gerir o seu orçamento. Além de aumentar a racionalização dos gastos, a autonomia permitiu que os professores e funcionários das universidades paulistas escapassem do arrocho salarial a que foram submetidos os demais servidores públicos.

No ano passado, por exemplo, a USP deu reajuste de 14,45%, como reposição da inflação, enquanto o restante dos funcionários do Estado não teve aumento.
O orçamento de 2004 prevê que a USP receberá do governo de São Paulo R$ 1,58 bilhão, 87% dos quais serão consumidos no pagamento de salários de 4.884 professores, 15 mil funcionários e 5.700 aposentados. Sobram 13% para as demais despesas administrativas, o que inclui alguns investimentos.

Os recursos são insuficientes para financiar as atividades de pesquisa, que dependem de repasses de agências federais e estaduais. Em 2003, essas instituições transferiram à USP R$ 130 milhões para pesquisa, além de R$ 200 milhões para bolsas de estudos. Outros R$ 70 milhões foram captados com empresas e órgãos públicos pelas 33 fundações ligadas à USP para financiar seus projetos, segundo o professor Luiz Nunes, pró-reitor de pesquisa.

De natureza jurídica privada e teoricamente sem fins lucrativos, essas fundações estão no centro do debate sobre o financiamento da universidade.
Os defensores do modelo público afirmam que as fundações representam a privatização da USP e são utilizadas para obtenção de benefícios pessoais, incluídos maiores rendimentos. Professores que integram as fundações argumentam que é fundamental encontrar formas alternativas de financiamento do ensino superior.

Um dos mais controvertidos meios alternativos são os MBAs oferecidos pela FIA (Fundação Instituto de Administração) e pela Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras), ligadas à FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade). Os cursos custam entre R$ 18 mil e R$ 20 mil e a maioria dá um certificado reconhecido pela USP.

Parte dos recursos é transferida à USP, mas quase toda a receita fica com as fundações. No ano passado, a FIA recebeu R$ 63 milhões e repassou R$ 3 milhões à universidade. Os R$ 60 milhões restantes foram usados para pagar seus 450 funcionários e os cerca de 55 professores dos 90 do Departamento de Contabilidade que dão aulas na FIA. A grande discussão é saber se é legítimo o uso do nome da universidade em atividades privadas e se há conflito entre as atividades do docente na USP e na fundação, pela qual às vezes ganha mais do que seu salário.

” O oferecimento de cursos pagos é absolutamente irregular e inconstitucional. As fundações representam a privatização por dentro da universidade”, sustenta o presidente da Adusp (Associação dos Docentes da USP), Américo Sansigolo Kerr.

Dirigentes das fundações rebatem, afirmando que o Estado não tem condições de ampliar o financiamento do ensino superior e que parte dos recursos que arrecadam beneficia a USP.

” As pessoas que ascendem à universidade pública são dos estratos mais bem aquinhoados da população. A atuação das fundações tem de ser vista no contexto do esgarçamento do setor público como financiador do ensino superior”, afirma Claudio Felisoni de Angelo, presidente da FIA e da Funasp, associação criada em 2003 com o objetivo de defender politicamente as fundações.

Felisoni destaca que 75% dos alunos da USP são provenientes de escolas particulares. Em algumas unidades, como a FEA, esse percentual é de 90%, afirma.

A regulamentação das fundações é discutida desde 2003 e deverá ser definida até meados de 2004 (leia texto abaixo).

Por trás do debate estão posições antagônicas sobre o modelo de universidade pública que o país deve adotar. A USP é inspirada no padrão europeu, de financiamento estatal e gratuidade do ensino. O contraponto é o padrão norte-americano, no qual as universidades públicas recebem recursos do Estado, mas cobram mensalidades de seus alunos.

A Universidade de Michigan, uma das principais instituições públicas estaduais norte-americanas, terá 57% de seu orçamento de US$ 1,130 bilhão de 2004 custeado por mensalidades de alunos. O Estado de Michigan aportará US$ 327 milhões e o governo federal, US$ 149 milhões.

Os adeptos do modelo norte-americano defendem a cobrança de mensalidades de alunos da USP com renda familiar suficiente para custear seus estudos -parcela que, segundo eles, representa a maioria. Considerada uma heresia até pouco tempo, a proposta vem ganhando seguidores, dentro e fora da universidade.

Kerr, da Adusp, é contra e diz que os ricos devem financiar o ensino público por meio do pagamento de impostos e não de mensalidades. “O discurso do desmonte da universidade pública está “pegando” muito forte.”